Quem é Deus?

Não sei. Deus é Deus, simples assim. A pergunta está errada. A pergunta correta seria “Como é Deus? ”.

Também não sei. Nem imagino que alguém pense que eu saiba. Se isto aconteceu, fico lisonjeado, mas como é sabido, estou bem longe de todo este conhecimento.

Trata-se apenas de uma pergunta retórica e provocativa, para a qual não se espera resposta, pelo menos não uma definitiva. Cada um deve ter a sua embora alguns achem que precisam responder para os outros ou, pior, que os todos devam ter a mesma resposta.

Voltando à questão inicial de como Deus pode ser visto – melhor dizer imaginado – sem a pretensão de esgotar o tema nem mesmo o de acertar no que digo, me ocorrem duas alternativas básicas.

Na primeira Deus é – ou pode ser expresso como – um conjunto de equações daqueles bem compridos e complicados, cheio de derivadas, integrais, somatórios, limites e o que mais se use hoje em dia para atormentar os estudantes de engenharia.

Na segunda, Deus – como é do gosto de tantos – é um bom velhinho de barbas brancas, acolhedor como só Ele pode ser. Neste caso caberia a versão feminina em que Deus é uma mãe, talvez mais adequada.

A primeira é mais tentadora, cientifica, elegante. Fala mais do Universo – ele próprio um candidato ao posto – e atende aos requisitos clássicos: onipotência, onipresença, onisciência. Mas falta personalidade. Difícil rezar para o Universo e esperar compaixão, acolhimento, ajuda. Um milagre do Universo, contrariando as regras conhecidas e as desconhecidas seria algo difícil de imaginar.

Já nosso velhinho – ou velhinha – como um Papai Noel o ano inteiro, está lá pronto a ouvir – ou fazer que ouve – nossas ladainhas, pedidos, invocações, de modo muito humano – como se os homens fossem o que há de melhor no Universo. Ouve e, de uma ou outra forma, atende, ainda que não raro se ache que não.

Qual prefiro? Não sei, eu perguntei primeiro.

Recesso

Já tem algum tempo que me tornei o que eu poderia chamar de carola sem religião, pois embora tenha me tornado um devoto empedernido, já não pratico nenhuma. Respeito a quase todas (sem citar nomes, desvio das que pedem muito dinheiro e das fanáticas que não reconhecem a pluralidade dos caminhos que levam à Roma, como dizia o adágio). Mesmo este destino tão popular antigamente também já pode ser questionado.

Então, sem esquecer dos muitos intermediários qualificados, anjos, arcanjos, orixás, xavieres, santos e santas, consagrados ou não, e toda a turma que os assiste, tenho procurado conversar diretamente com o Chefe. Eu pelo menos falo com ele, embora não esteja muito seguro de que ele me ouça.

Deve ouvir, embora seja bem verdade que não tenho compreendido muito bem as respostas, isto se as ouvisse. Minha surdez de ouvido é antiga e deve-se à velha LP11 – impressora do tempo das cavernas que, enquanto imprimia, e justamente por causa disto, fazia um barulho infernal. Seu barulho era mesmo pior que o da LP12, mais rápida e sofisticada, tinha uma tampa abafadora que, se não resolvia, diminuía o problema.

Imagino que tirando um ou dois dos meus leitores (uma contagem rápida, indicou 4 a me entender), os demais estejam se perguntando o que têm a ver com isto. Nada, perdoem, mas preciso colocar a culpa da minha surdez em algo. Alguns destes quatro talvez neguem lembrar da questão e dos códigos, mas estou certo de que sabem do que estou falando.

Assim, desde então – leia-se há décadas – não ouço muito bem, o que me força a constantes “hã?, o que?”s aos pobres interlocutores com quem tenho falado todos estes anos. Pois então, não sei se é  por isto que não tenho ouvido as respostas do Chefe, com prováveis explicações, lenitivos, incentivos e esperanças de dias melhores. É bem verdade que se as ouvisse, possivelmente teria dificuldade em compreender, desta vez não mercê da LP11, mas de meu – não sei se já ou ainda – limitado entendimento e, é claro, porque Ele não deve dizer o que quero ouvir. Outro dia ouvi um “você deve estar mudando sua atitude e se comportando desta forma”, mas logo percebi que não era Ele.

Quanto às LPs 11 e 12, nestes tempos de reciclagem, imagino já tenham reencarnado em alguma impressora jato de tinta, silenciosa e inofensiva. Vai ver é esta que tenho aqui em meu modesto escritório caseiro. Ou estará com um dos quatro leitores que sabem do assunto? Bem, talvez o Chefe a tenha conservado em algum museu, mas, de qualquer forma, já não deve fazer mal a ninguém.

Aconteceu ontem porém, que após minhas rogativas, explicações, e agradecimentos, ouvi em resposta algo numa voz muito tênue, fraca mesmo, dizendo. Quase não entendo.

— Ele saiu, foi fazer um atendimento em Joanesburg e diz que só volta depois da Copa.